Um pingo de história
A realidade insiste em contar outra história.
A capital de Santa Catarina encontra-se no limite da suportabilidade, seus habitantes enfrentam diariamente congestionamentos de tráfego, violência urbana e todos os problemas percebidos hoje nas principais cidades brasileiras.
Dentre os fatores que contribuem para esta situação dois devem ser destacados: o colapso do planejamento urbano e a corrupção.
Em Florianópolis, tal como ocorre nas demais grandes e médias cidades brasileiras a corrupção é o principal fator que determina a ineficácia do planejamento urbano.
Esta situação, na qual interesses privados se sobrepõe ao interesse coletivo está diretamente relacionada às políticas de uso do solo, ou a falta delas, e evidencia a interferência dos interesses da industria da construção civil e dos especuladores imobiliários.
Para uma melhor compreensão do quanto a corrupção interfere na qualidade de vida dos habitantes das cidades brasileiras é preciso entender as transformações que ocorreram no país ao longo do último século.
Em 1900, 25% da população brasileira morava nas cidades e 75% vivia nas áreas rurais. Em 2008, segundo estatísticas oficiais, 82% vive nas cidades e 18% nas áreas rurais.
Dos 82% da população brasileira que vive nas cidades dois terços encontram-se numa faixa de 300 km ao longo da costa do país.
Os problemas comuns às principais cidades brasileiras decorrem de dois fatos políticos registrados ao longo do século XX. Em ambos os casos, aparentemente tratava-se de momentos em que o país daria passos rumo à modernidade, o tempo encarregou-se de provar o contrário.
Momento 1: 21 de abril de 1960.
Nesta data ocorreu a inauguração de Brasília, após 4 anos de obras o presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira transferiu a capital do país para o planalto central e deu início ao processo de interiorização do desenvolvimento no Brasil.
As inúmeras conseqüências positivas deste ato de coragem política são indiscutíveis.
Criou-se uma rede de estradas que viabilizou a expansão das fronteiras agrícolas e consolidou o Brasil como grande exportador de produtos agropecuários.
Foi estimulada a implantação de novas cidades e o desenvolvimento daquelas que já existiam porém, encontravam-se isoladas do restante do país devido à falta de corredores físicos de comunicação.
Associou ao Brasil, em termos internacionais, um momento de liderança no campo da arquitetura e do urbanismo ao implantar efetivamente uma série de conceitos nunca antes aplicados.
As conseqüências negativas também são indiscutíveis.
O cronograma de obras (cinqüenta anos em cinco), implicou em desafios nunca antes verificados na história do país o que propiciou o surgimento de um conjunto de empresas, as “grandes empreiteiras”, que detém poderes consideráveis, perceptíveis até os dias atuais.
As “empreiteiras” interferem na vida da maioria dos brasileiros. Apesar de sua denominação, trata-se de imensas empresas de construção civil responsáveis pela maior parte das obras de grande porte no país. Elas constroem, estradas, aeroportos, prédios públicos, ruas e avenidas.
Trata-se de um pequeno grupo de empresas construtoras, cujo faturamento e alcance supera o somatório das demais empresas de construção civil em atividade no Brasil.
É um monstro cuja origem encontra-se na construção de Brasília. Todas elas surgiram e foram consolidadas durante as obras de construção da nova capital do país.
O poder destas grandes empresas de construção civil influi na composição do Orçamento Geral da União (OGU), nas decisões tomadas pelos ministérios e nas votações do Congresso Nacional.
Inúmeras reportagens veiculadas por órgãos de comunicação de alcance nacional demonstraram que diversos ex-Presidentes da República, foram sustentados até o final de suas vidas por recursos disponibilizados por estas empresas.
Tais informações jamais foram contestadas.
A data de inauguração de Brasília corresponde ao surgimento do “poder paralelo” exercido por estas grandes empresas da construção civil cuja influência pode ser percebida pela maioria dos habitantes das áreas urbanas do país.
Momento 2: 5 de outubro de 1988.
Este documento, que deveria ser o passaporte do país para um mundo globalizado, no qual a prevalece a competitividade, revelou-se um monumento ao revanchismo.
A chamada “Assembléia Constituinte”, composta por uma maioria de políticos de esquerda, definiu um documento que, supostamente, deveria desestimular, através de dispositivos legais, a possibilidade de surgimento de outra “ditadura” com poderes para inibir as atividades políticas de quaisquer grupos ideológicos com opinião contrária àquela dos governantes.
A idéia que deu origem a este conjunto de medidas determinadas pela constituição parece, à primeira vista, um manifesto de bom senso, o dia a dia provou o contrário.
Aquele que deveria ser um documento que consolidava a liberdade de opinião e orientação política, o bastião de defesa das “liberdades individuais” revelou-se, ao longo dos anos, um instrumento que engessou o poder judiciário.
Em nome das “liberdades individuais” institui-se a “ditadura das liminares”, dos protelamentos jurídicos e da impunidade.
Os brasileiros tem acompanhado através dos meios de comunicação inúmeros atos do Ministério Público e da Polícia Federal em que pessoas são presas por atos contra os interesses do país e da comunidade e, pouco tempo depois, são postos em liberdade graças a dispositivos assegurados pela constituição em vigor no pais.
Tornamo-nos o país da impunidade. No Brasil o crime compensa e a liberdade dos criminosos é assegurada por dispositivos constitucionais.
Os cidadãos das grandes e médias cidades brasileiras quando estiverem presos em engarrafamentos, sob a mira de armas de criminosos, indignados com a ocupação de áreas de preservação permanente, escandalizados por obras ilegais realizadas por empresas da construção civil e angustiados com o futuro, devem lembrar destas duas data, 21 de abril de 1960 e 5 de outubro de 1988, e avaliar os acontecimentos nelas ocorridos e o quanto influenciaram, ou prejudicaram, a sua qualidade de vida.
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