O que houve conosco ?
Em 2002 uma editora de Florianópolis publicou um livro cujo título era “Pêssego Gay – Architectusaurus Erectus”, escrito por Nestor Pinto Madeira e o autor deste blog.
De lá para cá tenho escutado e lido repetidamente uma pergunta: “Com tanto assunto, o que leva um arquiteto a escrever sobre corrupção?”
Invariavelmente respondo: “Ética: pessoal e profissional”.
Tenho plena consciência dos riscos envolvidos em abordar um tema tão difícil.
A construção civil em geral e a arquitetura em particular, minhas áreas de atuação, sofreram um processo de corrompimento que a minha geração, aqueles nascidos nos anos 50 e 60, jamais poderiam supor que viesse a ocorrer.
É preciso deixar claro que os meus contemporâneos ficam especialmente escandalizados com o país de hoje pois, ao contrário daqueles que nasceram após 1980, conhecemos:
- Um Brasil com ótimas estradas e uma razoável rede ferroviária.
- Um Brasil no qual, sem distinção de classe, utilizávamos a rede de saúde pública que era muito boa.
- Um Brasil no qual gente corrupta desaparecia de circulação pois tornava-se “mal falada”.
- Um Brasil no qual o governo funcionava razoavelmente e as instituições impunham respeito.
- Um Brasil no qual as escolas públicas eram referência de qualidade.
- Um Brasil no qual o termo “político” não era sinônimo de “escória”.
- Um Brasil no qual futuro era associado a sinais de exclamação, não interrogação.
Provavelmente você deve estar pensando: “Pronto, é outro daqueles saudosistas chatos, um ex-garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones, logo vai estar publicando fotos antigas da cidade e comentando sobre a coleção de figurinhas dos jogadores da seleção de 1970."
Nada disto, dispenso as fotos e as figurinha. Por outro lado, fico com as músicas.
Faço parte de um grupo no qual os membros supunham ser revolucionários. Ajudamos a quebrar alguns tabus:
- Desmistificamos a virgindade e decretamos o amor livre.
- Apoiamos a revolução do ensino e o abandono dos velhos métodos didáticos.
- Execramos os militares e fomos às ruas exigir eleições diretas.
- Ridicularizamos Pelé quando disse que não sabíamos votar.
- Elegemos dois fanfarrões: um do topo e outro da base da pirâmide social.
- Nos encantamos com a nova televisão e nos tornamos escravos dela.
- Trocamos os jornalões pelos tablóides.
- Fumamos e cheiramos todas.
- Criamos slogans e passamos a acreditar neles.
- Abolimos as velhas regras.
Deu no que deu.
Esquecemos um princípio fundamental: quem quebra velhas regras tem por obrigação estabelecer as novas.
No entanto, o pior de todos nossos defeitos veio à tona nos últimos anos : aprendemos a conviver com a corrupção, a tolera-la, fazer de conta que não vemos.
A minha geração, que um dia imaginou ser revolucionária, revelou-se um grupo lamentável de gente covarde, protagonistas de algumas páginas em branco nos livros de história do futuro.
Ainda não entendemos bem a extensão do mal que nossa apatia e falta de tutano causou a este país.
O que houve conosco?
Como deixamos as coisas chegar a este ponto?
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