A partir de 2002, quando foi lançado o “Architectusaurus Erectus”, recebo e-mails de pessoas que perguntam:
“Afinal, qual o problema quando um prédio é construído com alguns, em geral muitos, metros quadrados além daqueles permitidos?
Ou ainda:
“Qual o problema se um prédio é construído com um ou dois pavimentos em excesso?”
A estas pessoas respondo que, ao “fechar os olhos” para pequenas transgressões das regras de uso do solo apoiamos a criação de um sistema de castas, tal como ocorre na Índia.
No topo da pirâmide encontram-se os incorporadores e construtores que corrompem políticos e burocratas com o objetivo de aumentar suas margens de lucro.
No centro encontram-se os políticos e burocratas, a turma dos trinta dinheiros, que comprometem o futuro das cidades ao vender privilégios.
Na base estão os demais cidadãos os quais, por falta de recursos, não tem acesso a estes benefícios ilegais.
Apesar do conhecimento da regra – Pense globalmente aja localmente – tende-mos a esquece-la, pensamos localmente.
Em 2005, durante uma visita a Porto Alegre, percebi que não escapava a ela, costumava encarar os casos de corrupção da administração pública de Florianópolis como um problema típico da cidade em que moro. Foi durante esta visita ao Rio Grande do Sul que percebi o quanto estava enganado.
Fui convidado a visitar o stand de vendas de um empreendimento imobiliário localizado frente ao principal shopping center da cidade.
Minha primeira surpresa foi com relação ao tamanho e ao luxo das instalações. Anteriormente visitei inúmeros pontos de vendas de imóveis em diversas capitais brasileiras, nunca antes encontrei algo de proporções semelhantes.
Como se tratava de um conjunto residencial composto por diversas torres, cada qual diferente da outra, foi criado no stand um apartamento padrão de cada bloco. O que me chamou a atenção é que os modelos mobiliados apresentavam configuração diferente daquela apresentada nos prospectos impressos.
Um corretor esclareceu minha dúvida:
- A planta do prospecto corresponde ao projeto aprovado pela prefeitura, o modelo mobiliado é o que você poderá criar após o habite-se.
Simples assim.
Significa que os incorporadores, cientes (!) que a fiscalização de obras não iria interferir nas alterações que os apartamentos vierem a sofrer após a concessão do habite-se, usaram um modelo propositalmente alterado para indicar o potencial do imóvel que seria adquirido.
Os compradores destes apartamentos, cientes da situação pré e pós habite-se, compactuam com a ilegalidade.
Em Florianópolis ainda não alcançamos tamanho requinte na contravenção das leis de uso do solo.
Por enquanto esta situação pré e pós habite-se apenas é incluida nos prospectos de vendas.
Espaços que não constam dos projetos aprovados tais como salas de ginástica (Fitness center) ou cozinhas de uso comum (espaço gourmet) são incluídas nos prospectos.
Aqui, como em Porto Alegre, os corretores advertem que aqueles espaços somente poderão ser concluídos após o habite-se.
O mesmo vale para os áticos integrados aos últimos pavimentos que configuram as unidades denominadas duplex. Os compradores são alertados para o fato que as futuras ampliações, cujo potencial faz parte dos argumentos de venda, também poderão ser feitas apenas após o habite-se.
É um pacto de contravenção firmado entre vendedores e compradores, pacto este em que os incorporadores lavam as mãos.
Em caso de processo decorrente de transgressão das leis de uso do solo apresentam um argumento irrefutável: a alteração foi feita por iniciativa do comprador do imóvel, ela ocorreu após a concessão do habite-se, no momento da transmissão de responsabilidades do construtor para o adquirente.
Resumo da ópera : tanto os que vendem quanto os que compram tem conhecimento das eventuais ilegalidades que irão ocorrer.
Teoricamente ambas as partes ganham, perdem a cidade e o estado de direito.
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