Obras prontas e dois cassados
Diário Catarinense ; João Cavallazzi e Felipe Pereira ; 4/5/2008
Investigação da Polícia Federal (PF) que resultou no indiciamento de 54 pessoas acusadas de envolvimento em um suposto esquema de corrupção para favorecer a liberação de construções na Ilha de Santa Catarina, a Operação Moeda Verde completou um ano sem avanços e marcada pelo cenário de indefinição quanto ao futuro dos incriminados.
Até agora, nenhum dos indiciados (entre políticos, empresários e servidores da prefeitura de Florianópolis e do governo do Estado) foi formalmente denunciado. Ou seja, ninguém é réu. Isso porque o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre, ainda não julgou pedido do Ministério Público Federal (MPF) para que o inquérito retorne para a Justiça Federal da Capital.
O inquérito foi enviado ao Tribunal em dezembro de 2007 em razão do indiciamento - posteriormente anulado - do prefeito Dário Berger (PMDB). Desde então, os três desembargadores federais da 8ª Turma Criminal analisam as 743 páginas do relatório da delegada Julia Vergara da Silva e ouvem os indiciados. De acordo com a assessoria do Tribunal, não há previsão de quando o recurso entrará na pauta de julgamento.
Todos os indiciados foram acusados de crimes como corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha, falsidade ideológica, tráfico de influência, prevaricação, advocacia administrativa e crimes contra o meio ambiente. Os envolvidos negam.
Em relatório enviado à Justiça, Julia escreveu que os 20 funcionários públicos citados no inquérito, inclusive o prefeito, um vereador e quatro secretários municipais de Florianópolis, formavam "uma quadrilha de servidores associada para a prática de crimes contra a administração pública e contra o meio ambiente".
Ponto de partida para o trabalho da polícia, o curso dágua que cortava o lote 5 da praia de Jurerê Internacional foi aterrado por um conjunto de prédios.
Além disso, servidores acusados de irregularidades permanecem nas respectivas funções e as principais obras apontadas como responsáveis por supostos danos ambientais estão em fase de conclusão ou prontas. Todas devidamente autorizadas pela prefeitura e pelo Poder Judiciário. É o caso, por exemplo, dos shoppings Iguatemi e Floripa, do Supermercado Bistek do Bairro Costeira do Pirajubaé, do condomínio Vilas do Santinho e do Il Campanario Villaggio Resort.
Em 2006, a construção do Il Campanario estaria ameaçando o curso dágua - a definição é da Polícia Federal - e isso levou o Ministério Público Federal a requisitar a investigação da Polícia Federal, dando início à Moeda Verde, deflagrada na manhã de 3 de maio do ano passado.
Tribunal Regional negou novo pedido de embargo de resort
Duas semanas atrás o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) negou novo pedido do Ministério Público Federal para embargar o Il Campanario, obra avaliada em R$ 160 milhões e que está quase concluída. Os advogados da construtora defendem que não havia curso dágua, mas sim uma vala aberta para escoar água da chuva.
Apenas duas obras investigadas pela Polícia Federal - o Colégio Energia, de Jurerê Internacional, e o Hospital Vita, no Bairro Santa Mônica, que não haviam iniciado quando aconteceu a Operação Moeda Verde - foram embargadas pelo Ibama e ainda aguardam liberações.
Os procuradores da República, que durante as investigações entraram em rota de colisão com o juiz Zenildo Bodnar, à época da Vara Federal Ambiental de Florianópolis, e com a delegada Julia, pedem o retorno do inquérito para a Justiça Federal da Capital e o seu desmembramento, já que, para os representantes do Minisério Público, há crimes que competem à Justiça estadual, não federal. A batalha judicial promete ser longa.
- Se o inquérito não tivesse sido mandado para Porto Alegre, o MPF teria oferecido denúncia, no máximo, em janeiro e a ação penal já estaria correndo - avalia o procurador João Marques Brandão Néto, um dos membros da extinta força-tarefa, questionando por que o Ministério Púlbio Federal sequer foi ouvido antes do envio do inquérito a Porto Alegre.
- A decisão que declinou a competência ao TRF-4 está devidamente fundamentada, inclusive na Constituição federal. O MPF foi intimado desta decisão, tanto que ingressou com recurso em sentido estrito. É a interposição deste recurso pelo MPF o único motivo para demora no andamento regular do processo - afirma o juiz Zenildo Bodnar.
Uma harmonia em descompasso
A Operação Moeda Verde não ficou marcada apenas pelo ineditismo de indiciar 54 pessoas, entre políticos, empresários e funcionários públicos.
Outra característica da maior operação que a Polícia Federal (PF) já realizou na Capital foi o descompasso verificado entre a Justiça Federal, o Ministério Público Federal (MPF) e a própria PF, órgãos que, em tese, deveriam atuar em harmonia.
Desde o início, a operação foi marcada por incidentes que variaram de pequenas divergências até a troca de acusações graves entre o juiz Zenildo Bodnar, o procurador da República Walmor Alves Moreira e a delegada Julia Vergara da Silva.
O imbróglio tomou forma de crise quando o juiz decidiu aceitar pedido de exceção de suspeição e impedimento formulado contra o procurador, em julho do ano passado, dois meses após a prisão dos suspeitos.
À época chefe do MPF no Estado, Moreira foi acusado de favorecimento a um indiciado e reagiu à decisão de Bodnar, recorrendo da decisão e formando uma força-tarefa formada por outros quatro procuradores.
Uma das primeiras ações do grupo foi questionar a competência do juiz para o caso. Os procuradores defendiam que o magistrado, por ser juiz substituto, não poderia atuar no caso. O pedido de afastamento de Bodnar foi rejeitado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).
Os representantes do MPF também criticavam a atuação da delegada, principalmente devido a um pedido de quebra de sigilo telefônico feito ao juiz após a operação, sem que os procuradores fossem informados.
A troca de acusações foi mais intensa entre julho e dezembro do ano passado, mês em que o inquérito foi concluído pela Polícia Federal e remetido pelo magistrado ao TRF-4. Ao mesmo tempo, Bodnar decidiu extingüir a força-tarefa porque, de acordo com ele, havia sido formada sem embasamento legal.
Críticos da decisão de envio do inquérito para o TRF, os procuradores recorreram e aguardam julgamento do pedido para que a documentação retorne para Florianópolis.
Atualmente, Bodnar atua em São Miguel do Oeste, para onde foi transferido ao ser promovido a juiz titular da Justiça Federal. Moreira segue na Capital, mas deixou a chefia do Ministério Público depois de cumprir o mandato. A delegada Julia também continua na Capital, mas foi transferida da Delegacia de Crimes Contra o Meio Ambiente para a Delegacia Fazendária, numa movimentação rotineira da Polícia Federal.
Delegada pede novas apurações
Quando encaminhou o relatório final da investigação ao juiz Zenildo Bodnar, a delegada Julia Vergara incluiu o item 26, intitulado "registros e encaminhamentos necessários".
Uma das sugestões foi a investigação de indícios de crimes detectados ao longo dos cerca de cinco meses de gravações telefônicas de suspeitos. Os alvos dessas novas investigações seriam três construtoras e interlocutores de negociações envolvendo bingos.
O Diário Catarinense apurou que um dos casos refere-se à mudança de zoneamento feita pela Câmara em um terreno da Avenida Beira-Mar Norte. Após alteração pontual no zoneamento da área, um prédio foi construído no local. Para a Polícia Federal, pode ter havido favorecimento.
O delegado federal Raimundo Lopes Barbosa, titular da unidade de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente, afirmou que o pedido feito por Julia para o juiz requisitar a instauração de quatro novos inquéritos é um ato normal.
- Se ela (Vergara) pediu a abertura de novos inquéritos, é porque detectou indícios de algum crime - explica o delegado.
O juiz Zenildo Bodnar afirma que não analisou as sugestões da delegada porque o inquérito foi encaminhado ao TRF-4. No entanto, de acordo com ele, "a autoridade policial tem o poder e o dever de instaurar o inquérito independente de requisição judicial ou do Ministério Público Federal quando identifica a ocorrência de eventual crime". Iniciado em 25 de julho de 2006 e concluído em 15 de outubro de 2007, o "grampo" da Operação Moeda Verde resultou em 15 DVDs com milhares de horas gravadas.
Juarez e Marcílio perderam os cargos
O único resultado prático da Operação Moeda Verde até agora foi a cassação, no ano passado, dos mandatos dos vereadores Juarez Silveira e Marcílio Ávila, numa decisão inédita na história da Câmara.
Ambos foram indiciados pela Polícia Federal (PF). Ex-presidente da Câmara, Marcílio responde por atos de improbidade administrativa e advocacia administrativa para beneficiar o Floripa Shopping.
Juarez, um dos 17 detidos no dia 3 de maio de 2007, foi acusado pela delegada Julia Vergara de ser o suposto líder da alegada "quadrilha de servidores". Ambos negam as acusações.
Parlamentar pelo quinto mandato consecutivo, ex-líder do governo na Câmara e à época um dos vereadores mais influentes da cidade, Juarez sofreu vários indiciamentos. Flagrado em conversas com empresários, perdeu o mandato depois de ser acusado de quebra de decoro parlamentar.
Atualmente ocupa seu tempo acompanhando a defesa no TRF-4 e cuidando, segundo ele, da sua maior preocupação: a saúde da mãe, de 84 anos, recente vítima de um derrame.
Um ano depois da operação, Juarez ainda reclama dos policiais federais que, por volta das 6h do dia 3 de maio do ano passado, armados e encapuzados, invadiram o apartamento em que a mãe dele mora sozinha.
- Foi um ano muito triste. Minha família está destruída e só quero cuidar para que a minha mãe não morra. Agora, vendo a minha mãe com derrame, me pergunto se tudo isso valeu a pena - comenta Juarez.
- Não cometi nenhum crime ambiental, não tenho nenhuma condenação nem indiciamento. Tenho certeza que não serei condenado - aposta o ex-vereador, que ainda tenta retornar à Câmara.
Na próxima semana, o Tribunal de Justiça deve julgar recurso do ex-vereador para anular a cassação.
Ex-presidente da Santur pretende voltar à política
Marcílio Ávila, à época também presidente da Santur, posto que igualmente acabou perdendo, credita a perda de seu mandato a "fatores políticos" e diz que não há qualquer prova de que tenha cometido crime de advocacia administrativa ou atos de improbidade administrativa.
O ex-presidente da Câmara, que é empresário do ramo de confecções, conta que está "tocando a vida" e que planeja voltar à política. Ele chegou a recuperar a vaga na Câmara no ano passado, por força de decisão judicial, e renunciou em seguida para preservar os direitos políticos. Porém, posteriormente, a decisão foi anulada pelo Tribunal de Justiça.
- Se fosse para mudar a cidade, certamente (a Operação Moeda Verde) teria valido a pena, mas não mudou nada - avalia o ex-vereador.
CPI ainda investiga servidores
A prisão de secretários municipais, a cassação de dois vereadores e o indiciamento - depois anulado - do prefeito Dário Berger (PMDB) conferiram uma conotação política à Operação Moeda Verde.
Acusado de supostamente receber dinheiro para redigir e fazer aprovar uma lei que concedia descontos em impostos municipais à hotelaria, o prefeito foi alvo de uma comissão processante que acabou arquivada pelos vereadores.
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada para averiguar os servidores ainda não encerrou os trabalhos. Presidida pelo oposicionista Jaime Tonello (DEM), a comissão já ouviu dezenas de envolvidos e testemunhas, além de ter ido buscar informações no Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, na Polícia Federal e no Ministério Público Federal.
Levantamento feito por técnicos da Câmara não encontrou irregularidades em qualquer um dos projetos aprovados. O relatório da CPI, que se aproxima de mil páginas, deve ser concluído nas próximas semanas. Tonello garante que a peça terá caráter técnico, não político-partidário. Alguns dos indiciados seguem na prefeitura, o que gera críticas de vereadores da oposição, que defendem a instauração de processos administrativos.
No início do ano, o TRF anulou o indiciamento de Berger, acatando a tese de que a delegada Julia Vergara não teria competência para indiciar o prefeito, que tem foro privilegiado. A decisão não é definitiva.
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